“Como cortesia com o próximo usuário, sugerimos deixar a pia limpa.” A mensagem, comum em banheiros públicos, é um convite à cordialidade desinteressada. Alguns, porém, poderiam se perguntar: Por que me preocupar em deixar o ambiente asseado para um estranho? Por que gastar tempo e energia em algo que não me beneficia diretamente? A resposta é simples: por respeito aos outros. Na correria do dia a dia, porém, esse tipo de cuidado tem se tornado secundário, quase inexistente em algumas pessoas. Um livro que chega agora ao Brasil coloca em xeque o comportamento do “eu por mim mesmo” e afirma que ser gentil traz muitos benefícios e faz a pessoa sentir-se mais feliz, tornar-se mais produtiva e até ser mais atraente.
Escrito pelo psicólogo italiano Pier Forni, o livro Pessoas gentis são mais felizes (BestSeller) faz a defesa de características básicas e muito antigas que tornaram o ser humano civilizado: a educação, a gentileza e a consideração pelo outro. “Pela falta de educação, tentamos dominar, intimidar, coagir, ameaçar, humilhar, dissuadir e rechaçar. A falta de educação é uma forma de controlar pelo desdém”, pontua Forni na obra.
Para o pesquisador, hoje diretor da organização Civility Initiative (Iniciativa da Civilidade), da Universidade John Hopkins, nos Estados Unidos, quem é menos educado do que deveria acaba privado dos efeitos positivos da cordialidade. Afinal, quem quer ficar perto de uma pessoa grosseira, que não respeita o próximo sem o menor remorso? “O que dizemos e fazemos quando somos cordiais é apreciado e nos torna mais atraentes, faz com que o outro queira estar perto de nós”, explica Forni, em entrevista ao Correio.
Que o diga o fotógrafo Clausem Bonifácio, 44 anos. Ele conta que foi a simpatia e a gentileza da namorada, Ana Cecília Alves, 37, que o fizeram se interessar por ela. Antes de a relação engrenar, há dois anos, Clausem e Cecília trabalhavam juntos, e ele sempre se impressionou com a delicadeza da moça. “Cheguei a comentar com o meu assistente sobre a forma como ela tratava as pessoas”, lembra. Sem notar, o fotógrafo se viu atraído por essas características e começou a nutrir uma admiração diferente pela designer. Quando percebeu, estava apaixonado. “A Cecília é muito bonita, mas, definitivamente, o que me chamou a atenção foi seu respeito com os outros”, conta.
Segundo Clausem, o surgimento do interesse pela namorada foi diferente do de outros relacionamentos que teve. Ele conta que suas ex-namoradas não eram tão gentis. “Mesmo assim, eu me sentia atraído por elas. Algo como mulher de malandro”, analisa. O psicanalista João Vales Siqueira explica que a mente humana é tão acostumada com certos comportamentos que, quando outro entra em cena, o cérebro tende a rechaçá-lo. “É como se estivéssemos programados para viver tal acontecimento. Por isso tendemos a repetir tipos de relações”, explica. Mas, no caso do fotógrafo, a gentileza de Cecília parece ter colocado por terra a programação de sua mente. “O jeito dela me proporciona uma relação mais saudável, de mais qualidade”, define.
Sensação parecida com a que sentem a advogada Marília Pimentel, 29 anos, e o publicitário Alexandre Passos, 35. Os namorados contam que o fato de um ter percebido no outro a importância que dão às pessoas fez com que quisessem ficar juntos. “Foi o que impulsionou nossa atração”, conta Marília. “Ela trata todos bem, sem distinção. Se ela não puder fazer isso, pede desculpas. Isso mostra que ela tem respeito pelo outro, e terá por mim”, diz o publicitário. “Quem quer viver com uma pessoa mal-educada, grosseira e individualista? Eu não”, completa.
Para o psicólogo Marcus Pires Barreto, apesar de a sociedade hoje valorizar muito as pessoas pelo que elas possuem, o caráter ainda é visto como algo importante na hora de se escolher alguém para viver um relacionamento. “No fundo, os indivíduos buscam quem os ouça. Por isso, a gentileza ainda é valorizada e admirada”, acredita.
Amizade
A atração, no entanto, não fica somente no campo amoroso. Ela se estende para outros tipos de relações, como as profissionais, familiares e de amizade. Segundo Forni, a cordialidade abre diversas portas: seja a que leva a novos amigos, seja a de uma promoção no trabalho. “Quem é gentil circula bem em qualquer lugar”, garante o italiano.
Juliana Cunha Castro, 28 anos, é um exemplo disso. Quando ainda frequentava a faculdade, a advogada era bastante popular, simplesmente pelo fato de ser simpática e educada com todos. Isso fazia com que a jovem circulasse pelas diversas tribos sem qualquer problema, o que acabou chamando a atenção da amiga Andréia Cordeiro, 28. A moça conta que chegou à faculdade no meio de um semestre, quando todos já se conheciam. “Era bem difícil. Não tinha espaço para mim”, lembra. Foi então que ela percebeu como Juliana era querida por todos e buscou se aproximar dela. Iniciava-se ali uma amizade profunda, que as duas cultivam até hoje. “Tenho muita admiração pelo jeito da Juliana. Ela é uma inspiração”, elogia.
Os benefícios de tanta gentileza são vários. “No primeiro estágio que fiz, comecei acompanhando as audiências nos tribunais regionais. Minha função era digitar o que era dito. Eu era péssima, não sabia digitar direito. Mesmo assim, continuei sendo mandada para as audiências, e depois descobri que era porque os conselheiros e os advogados gostavam de mim”, revela Juliana.
De acordo com Forni, pessoas como a advogada têm mesmo tudo para serem bem-sucedidas em vários aspectos da vida. A gentileza, ele afirma, quebra qualquer clima ruim e ainda impõe respeito de forma indireta a quem está sendo desagradável. “É o mesmo que falar baixo quando o outro estiver gritando. Chegará uma hora que ele verá o erro e lhe pedirá desculpas. É aí que você, indiretamente, impõe respeito”, ensina.
Mas não poderia ser a gentileza uma estratégia usada por alguns oportunistas para levar vantagem em determinadas situações? Como identificar a gentileza legítima? Segundo os especialistas, o único jeito de fazer isso é observando as pessoas com atenção. Para Marcus Pires Barreto, a educação e a gentileza são formadas por meio de exemplos. A pessoa genuinamente gentil será assim nas mais diversas situações. “Uma pessoa educada é assim o tempo todo”, resume o psicólogo.
Fonte: Estadão.com
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