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domingo, 18 de dezembro de 2011

Cientistas brasileiros defendem novo método para o uso de estatinas

Popularmente conhecido como “ataque do coração”, o infarto do miocárdio é hoje responsável por 10,28% das 742.779 mortes por doenças crônicas não transmissíveis, segundo dados do Ministério da Saúde. A dor e a sensação de aperto no peito que precedem o problema vêm acompanhadas de náuseas, vômitos e vertigem, e podem durar por longos 20 minutos. Durante o ataque, parte do músculo cardíaco é perdido, por falta de oxigênio e irrigação sanguínea. Para minimizar as lesões dos tecidos atingidos e reduzir as chances de complicações fatais no futuro, a ciência está constantemente em busca de novos métodos e tratamentos. Dois estudos, feitos pelo Grupo Brasileiro de Estudo do Coração (Coorte Brasil) e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), descobriram que o uso de estatinas (lipoproteínas utilizadas para controlar níveis altos de colesterol no sangue) pode ajudar a conter a inflamação durante e após o infarto — e que ter um alto nível de de HDL (conhecido popularmente como colesterol “bom”) ajuda a prevenir a hiperglicemia durante a fase aguda do infarto, uma das principais causas de mortalidade entre esses pacientes.

Andrei Sposito, cardiologista e professor da Unicamp que liderou os estudos, explica que cerca de 50% das pessoas infartadas não conseguem ser atendidas. Dos pacientes que chegam ao hospital, até 15% morrem. “Mesmo depois que recebem alta, uma grande parte deles vai ter outro infarto nos primeiros dois anos”, completa o médico. “É uma doença que hoje mata mais que câncer ou infecções.” Sposito frisa que praticar atividade física e manter hábitos saudáveis, como não fumar e ter uma alimentação balanceada, ainda são atitudes essenciais para prevenir o infarto. Quando ele ocorre, contudo, um dos principais desafios da medicina é saber o que fazer quando o paciente chega ao hospital — e como evitar que ele sofra novas complicações.

Para tentar responder a essas perguntas e aliviar os sintomas do infarto, o grupo de pesquisadores focou, em um primeiro momento, nas doses de estatina — capaz de diminuir em 1% a 2% o risco anual de infarto em pacientes crônicos, uma vez que, além de reduzir o colesterol, também diminui a formação de trombos e a atividade inflamatória do coração. De acordo com os estudos existentes até então, acreditava-se que o tratamento com o remédio deveria começar em até 12 horas após o início dos sintomas. Sabe-se, contudo, que é nas primeiras 24 horas que a atividade inflamatória tem seu ápice — e um tratamento tardio pode significar sequelas sérias, como a cicatrização irreversível do músculo cardíaco.

Os pesquisadores resolveram, então, refazer os estudos com 125 pacientes infartados. As pessoas foram divididas em quatro grupos, que receberam, respectivamente, zero, 20, 40 e 80 miligramas do remédio assim que começaram os sintomas. Os médicos descobriram, então, que o coração daqueles que receberam altas doses do medicamento quase não apresentou inflamação, enquanto os tratados sem a estatina sofreram o maior aumento da atividade inflamatória. Nos outros grupos, quanto maior foi a dose do medicamento, mais a inflamação retrocedeu. “Essa pesquisa muda a maneira com que a gente trata os pacientes infartados”, comenta Andrei Sposito. “O que os estudos anteriores não sabiam é que a maneira correta de usar a estatina é com altas doses logo que o paciente chega, e não na pré-alta.”

Estresse
Luiz Sérgio de Carvalho, um dos principais autores do segundo estudo, explica que a ideia central foi analisar como o HDL, também conhecido como o “colesterol bom”, ajuda na diminuição da glicose em pacientes infartados. Segundo o médico, após o infarto, hormônios sinalizam para o corpo que existe uma situação de estresse — e isso faz com que o nível glicêmico aumente. “No estresse agudo, logo depois que acontece o infarto, de 90% a 100% dos pacientes desenvolvem hiperglicemia”, reforça. Quando a tensão passa, o corpo volta ao normal. Partindo desse pressuposto, a equipe médica estudou 183 pacientes infartados e não diabéticos. A partir de amostras do sangue, foram medidos os níveis de glicose, colesterol total, triglicérides, HDL, proteína C reativa e insulina nas primeiras 24 horas e no quinto dia após o infarto.

Os pesquisadores descobriram, então, que aqueles pacientes com níveis de HDL alto tinham uma recuperação melhor e mais rápida, já que esse tipo de colesterol acelera a recuperação da sensibilidade à insulina e estimula a secreção do hormônio pelo pâncreas. “O infarto tem que ser entendido como se fosse uma espinha dentro do vaso sanguíneo”, compara Carvalho. “Se ela aumenta demais, explode dentro do vaso e, com isso, o material necrótico rico em espécies inflamatórias se espalha e ocasiona a trombogênese. As plaquetas vão para lá tentar tirar essas células inflamatórias, o que causa o infarto.” Ele explica que, enquanto o LDL (o colesterol “ruim”) aumenta a quantidade dessas plaquetas — o que causa um “engarrafamento” ainda maior no vaso sanguíneo —, o HDL age como um anti-inflamatório, reduzindo a oxidação do LDL e parte da trombogênese.

Daniel Branco de Araújo, diretor do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), diz que a dúvida sobre qual o melhor momento para receitar estatina a pacientes infartados já vem de muito tempo. “Já tínhamos a ideia de que o início imediato melhora os resultados, mas ainda faltavam pesquisas como essa para confirmar”, reforça. Contudo, ele acredita que esse é apenas o primeiro passo em direção à uma mudança efetiva no tratamento.

“É um estudo que precisa ser feito a longo prazo. Não sabemos se vai mudar a mortalidade dos pacientes, mas é importante para a gente ajustar a conduta em relação a isso.” O médico frisa que o “colesterol bom” tem ainda uma função restauradora das células envolvidas. “A dúvida que tínhamos era se prescrever medicamentos para diminuir o colesterol seria bom para o paciente, já que, depois do infarto, há o ‘machucado’ que precisa ser reparado”, detalha. “Com a pesquisa, vimos que isso não acontece.”

Um dos diretores da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), Carlos Magalhães explica que, embora ainda iniciais, os estudos feitos pela Unicamp representam novos caminhos para as pesquisas em cardiologia. “A coisa mais importante do primeiro estudo foi ter sido feito com pacientes não diabéticos”, completa. Para o médico, a análise sobre o colesterol embasa a necessidade de manter medicamentos que melhorem a inflamação endotelial e a atividade vascular. “A estatina é um remédio que precisa ser usado a vida toda, mas algumas pessoas não tomam. Os vasos sanguíneos não relaxam e há o aumento da produção de óxido nítrico”, justifica. “Um dos grandes desafios é descobrir como aumentar o HDL. É um problema que ainda não tem um tratamento definitivo.”

Suprimento interrrompido
No infarto do miocárdio, há a interrupção do suprimento de sangue ocasionada por uma obstrução da artéria. A falta de irrigação sanguínea faz com que a região do músculo cardíaco que costumava ser atendida por essa artéria morra. Além da dor, acontece a instabilidade do sistema de transmissão e de geração de impulsos elétricos que fazem o coração bater, que podem ocasionar a fibrilação ventricular (arritmia cardíaca grave em que há contrações ventriculares rápidas, porém fracas). Se o ritmo dos batimentos não for revertido rapidamente, podem ocorrer danos irreparáveis ao cérebro ou a morte do paciente.

Fonte:
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/ciencia-e-saude/2011/12/15/interna_ciencia_saude,282984/cientistas-brasileiros-defendem-novo-metodo-para-o-uso-de-estatinas.shtml

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